orientalismo artístico português – do conceito à realização

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Sobre a pessoa autora

Encontra-se a terminar o Mestrado em História de Arte e Património na Faculdade de Letras de Lisboa. Foi também nesta instituição que realizou a sua Licenciatura em História de Arte. Como aspirante a investigadora tem vindo a desenvolver estudos sobre a relação entre o género feminino e a obra de arte, procurando compreender o modo como este foi considerado pela produção artística durante o final do século XIX e início do século XX. Paralelamente publicou estudos sobre joalharia, designadamente joalharia de miniatura enquanto catalisador de memória. E desenvolveu ainda investigação sobre a relação entre a pintura e o cinema. 


Resumo

Os espaços do Oriente despertaram o interesse de diversos escritores e intelectuais portugueses. Todavia, quando pensamos em artistas que exploraram uma estética Orientalista em termos nacionais, são poucas as figuras do mundo da arte de que nos recordamos. É importante questionarmo-nos sobre o modo como o Orientalismo teve expressão na arte portuguesa, quem foram os seus intervenientes, e se se inspiravam in loco ou se recebiam essas influências por via de fotografias, ilustrações, relatos de viagem. Num momento em que se valorizava em Portugal uma linguagem pictórica académica, trabalhando dominantemente cenas de género, retratos e pintura de paisagem, a falta de menção a uma estética Orientalista na prática artística, por parte da Historiografia de Arte, despoletou o nosso interesse e motivou a presente investigação, com o propósito de explicar o esquecimento da História de Arte em relação a algumas destas figuras. Procuramos integrar a abordagem dos artistas nacionais na conjuntura vivenciada pela sociedade portuguesa deste período, comparando-a ainda com a produção em vários contextos internacionais não só na Europa, mas também em algumas das nações de interesse da estética Orientalista. 

 
 

introdução – uma incursão literária 

Desde muito cedo que podemos observar a influência dos intercâmbios culturais nos objectos artísticos. O fascínio despertado por tudo aquilo que era considerado exótico, distinto, distante e, consequentemente, dispendioso, constituindo-se como uma evidência não só do poder económico, mas também do capital cultural do coleccionador, consiste numa das consequências das trocas comerciais entre o Reino de Portugal e outras nações, tanto no continente africano como no asiático.

Todavia, a posição de Portugal no final do século XIX e no princípio do século XX em relação às restantes potências europeias era periférica. Nesse sentido, o discurso Orientalista que era comum nas restantes nações do continente europeu, como por exemplo em França [1], adquiriu no panorama nacional contornos distintos. Diversos escritores manifestaram interesse pelo Oriente, procurando enquadrar nesse espaço distante em termos geográficos e ideológicos um ideal de nação oposto à realidade decadente vivida no território nacional. Marcos Miguel Oliveira do Couto, na sua dissertação de Mestrado em História Contemporânea, procura elencar os diversos autores nacionais que fazem referência ao Oriente, reflectindo sobre o modo como estes exploram estes ambientes distantes (Couto 2011). Geralmente, o Oriente é abordado pela sua complexidade religiosa. Antero de Quental (1842-1891), por exemplo, fá-lo através do elogio do espiritualismo e do anti-individualismo da filosofia Budista, como contraponto à sociedade em que o escritor se inseria. Também Eça de Queiroz (1845-1900) se serviu do exotismo oriental com o intuito de caricaturar o espírito ocidental (ibid.). Foi sobretudo através da literatura decadentista e simbolista que o Oriente adquiriu maior profundidade em Portugal, surgindo na obra de escritores como Eugénio de Castro (1869-1944), Júlio Brandão (1869-1947) ou Camilo Pessanha (1867-1926).

O Oriente revelava-se assim como o oposto a uma Europa industrializada, na qual as consequências paisagísticas, laborais e sociais decorrentes da industrialização já se sentiam fortemente. Estes locais alcançáveis não só por via da viagem, que se praticava agora com maior facilidade, mas também através da imaginação, constituíam-se como um espaço de reacção e de recuperação de um conjunto de características que se estavam a perder com o progresso tecnológico. É nesse sentido que Camilo Pessanha defende uma ideia de Oriente como local intimista, quase que secreto, no qual o poeta se poderia exilar de modo a promover a sua prática literária (ibid.).

À semelhança do que podemos verificar na produção artística, os escritores manifestaram igualmente interesse no consumo de certas bebidas, fragrâncias e drogas típicas do Oriente. Acreditavam que o recurso a substâncias psicotrópicas, como por exemplo o ópio, estimulava a capacidade de ver além da realidade. O consumo destas substâncias foi igualmente objecto da atenção de grandes escritores internacionais, como por exemplo Charles Baudelaire (1821-1867), que explora na obra Les Paradis Artificiels os seus efeitos no corpo e na mente do consumidor.

Num Portugal governado por uma Monarquia Constitucional, as colónias orientais tinham cada vez menos influência na conjuntura do país; contudo, em termos intelectuais revestiam-se de grande importância para diversos escritores, entre os quais Alexandre Herculano (1810-1877), Antero de Quental ou Joaquim de Oliveira Martins (1845-1894). Este último apresentava uma visão bastante distinta da de Alexandre Herculano e de Antero de Quental, que responsabilizavam a expansão no além-mar pelo declínio nacional (Matos 2002, 212).

De acordo com John M. Mackenzie, a estética dita Orientalista estende-se por um vasto território, caracterizando, em termos artísticos, um género de pintura ocidental que se serve do Médio/Próximo Oriente e do Norte de África como enquadramento (MacKenzie 1995). O interesse efectivo de Portugal durante o período em questão concentrava-se sobretudo em África. O país sentia-se marginalizado não só no espaço europeu, mas também no continente africano devido ao Ultimato Britânico (1890), que cessava a pretensão de Portugal de unir os territórios entre Angola e Moçambique, materializada no Mapa Cor-de-Rosa. O Ultimato apresentado pelo governo britânico fez com que Portugal rapidamente se consciencializasse da sua posição periférica na política europeia. Esse sentimento de marginalização reforçava, contudo, o reconhecimento da singularidade portuguesa em relação às restantes potências europeias. O Tratado Anglo-Português de 1891, que motivou o reforço do controlo político, económico e militar da presença portuguesa no continente africano, contribuiu ainda para propagar um sentimento de dever de nação, perpetuado ao longo do século XX por via de um discurso propagandístico que apresentava Portugal como uma grande nação imperial, o que contrastava com a realidade. Nesta senda, várias figuras constituíram-se como Orientalistas, entre as quais artistas como Jorge Colaço (1868-1942), que serviu como diplomata em Tânger e se celebrizou como desenhador, caricaturista e pintor de azulejos. Alguns dos seus painéis azulejares abordam cenas alusivas à história de Portugal, de que é exemplo A Conquista de Ceuta, localizado na Estação Ferroviária de S. Bento no Porto (FIGURA 1). A sua pintura de cavalete demonstra igualmente interesse sobre a vida no Norte de África, onde aliás havia nascido, conforme podemos verificar em À volta da Batalha (FIGURA 2), obra apresentada na exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes em 1901. Também o seu pai, José Daniel Colaço (1831-1907), para além de ter nascido em Tânger, desempenhou funções diplomáticas nessa cidade como Cônsul de Portugal, assegurando os interesses dos portugueses que aí residiam, num momento particularmente delicado em que existiam quezílias entre França e Espanha sobre a política interna marroquina. José Daniel Colaço foi também um importante pintor, tendo realizado a sua formação na Academia de Belas Artes em Lisboa, entre 1853 e 1855. O artista figurou no 13º Salão de Pintura de Belas Artes em Lisboa, no qual exibiu várias obras de temática Orientalista. O Norte de África foi também objecto do interesse do próprio Rei D. Carlos (1863-1908), tendo realizado um estudo alusivo a uma figura do género masculino de origem marroquina, que surge publicado no Catálogo Ilustrado da Exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes do ano de 1901 (FIGURA 3). Esta obra reveste-se de tal importância que foi reproduzida pelo aguarelista Henrique Casanova (1850-1913). A composição foi ainda reexibida na Exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes de 1904, sendo um dos exemplares representado na notícia alusiva à exposição publicada no periódico Occidente do dia de 20 de Maio do mesmo ano.

[1]
Na conjuntura francesa o debate acerca da importância do colonialismo sobre os territórios do continente africano e do Próximo/Médio Oriente, enquanto factor de desenvolvimento civilizacional, era mais discutido pelos escritores em detrimento das artes visuais. Nesse sentido, autores como Léonce Bénédite (1859-1925) defendiam a pintura de carácter colonial, na qual se inseriam as temáticas Orientalistas, como uma missão patriótica a ser empreendida de modo a dignificar a França enquanto nação (Benjamin 2003, 31). Sobre o Orientalismo Francês durante o período em estudo veja-se Benjamin, Roger. 2003. Orientalist Aesthetics: Art, Colonialism and French North Africa, 1880-1930. Berkeley: University of California Press.

 

Figura 1 Conquista de Ceuta, s.d., Jorge Colaço (1868-1942). Estação Ferroviária de São Bento, Porto. © Wikimedia Commons.

 

Figura 2À volta da Batalha, s.d., Jorge Colaço (1868-1942). In Catálogo ilustrado da primeira exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes. 1901. Lisboa: Typographia da Companhia Nacional Editora.

 

Figura 3Estudo a Pastel, s.d., Rei D. Carlos (1863-1908). In Catálogo ilustrado da primeira exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes. 1901. Lisboa: Typographia da Companhia Nacional Editora.

 

É neste panorama literário, político e ideológico que podemos enquadrar a produção artística de influência Orientalista nacional, que tal como no plano ideológico se distancia de uma perspectiva estritamente colonial.

 

do orientalismo na arte – uma corrente portuguesa

No final do século XIX e princípio do XX as viagens beneficiaram com os progressos tecnológicos que as tornavam cada vez mais seguras. Nesse sentido, vários estudiosos, artistas, diplomatas e curiosos empreendiam as suas expedições, que eram registadas nos relatos de viagem, servindo estes como fonte de inspiração àqueles que não tinham possibilidade de se deslocarem a estes locais distantes. No entanto, outras soluções tornavam acessível à generalidade da população o contacto com culturas distintas daquelas nas quais se inseriam. A constituição de acervos museológicos e a circulação de fotografias e postais ilustrados, não só através dos livros, mas também por via da imprensa periódica, permitia a rápida disseminação de informação acerca do que se passava em África (onde Portugal pretendia centrar a sua atenção), mas também no continente asiático e no Próximo/Médio Oriente. A distribuição de periódicos, sobretudo aqueles que continham uma forte componente imagética, permitia dar notícia de acontecimentos, mas contribuía também para confirmar estereótipos que muitas vezes se distanciavam da realidade. A Ilustração Portuguesa foi particularmente profícua na publicação de fotografias e ilustrações que em certos casos estereotipavam as mulheres do Próximo Oriente e do Norte de África. 

Figura 4Cigana, s.d., Michel Besutte. In Ilustração Portuguesa, 2ª Série, nº 446, 7 de Setembro de 1914, capa do periódico. © Hemeroteca Municipal de Lisboa.

Figura 5Tipo de beleza turca. In Ilustração Portuguesa, 2ª Série, nº 367, 3 de Março de 1917, capa do periódico. © Hemeroteca Municipal de Lisboa.

 

Figura 6Odalisque, 1870, Pierre Auguste Renoir (1841-1919), óleo s/ tela, 99 cm x 153,7 cm. National Gallery of Art, Washington DC (1963.10.207).

 

Podemos encontrar nas capas de diversos números publicados mulheres que são designadas como de etnia cigana (FIGURA 4), ou correspondendo a um tipo de beleza, por exemplo, turca, apresentando-se as modelos vestidas com uma indumentária típica (FIGURA 5), presente em diversas obras Orientalistas (FIGURA 6). O fascínio por estas mulheres oriundas de ambientes distantes, exóticos, diferentes do que se encontrava acessível na Europa, revelava-se também nas mulheres portuguesas e estrangeiras, não só pela indumentária, vista como adequada ao Carnaval (FIGURA 7), mas também como um testemunho de aparato e de capacidade económica, de que é exemplo a fotografia de D. Alcidia Machado, publicada no mesmo periódico (FIGURA 8). Foram também recuperados determinados acessórios, designadamente os turbantes adornados com jóias ou plumas, sendo estes conjugados com o seu vestuário, conforme podemos observar na fotografia de Maria José Praia (FIGURA 9). Esta tendência retomava assim a comum integração de elementos típicos da indumentária feminina do Império Otomano, presente em diversos retratos datáveis de períodos anteriores, consubstanciando-se num fenómeno que ficou conhecido como Turquerie.

Figura 7No Carnaval: Os últimos retoques para o baile, s.d., Joshua Benoliel (1873-1932). In Ilustração Portuguesa, 2ª Série, nº 363, 3 de Fevereiro de 1913, capa do periódico. © Hemeroteca Municipal de Lisboa.

Figura 8Sr.ª D. Alcidia Machado. In Ilustração Portuguesa, 2ª Série, nº 440, 27 de Julho de 1914, capa do periódico. © Hemeroteca Municipal de Lisboa.


Figura 9A Srª. D. Maria José Praia, s.d., Atelier Bobone. In Ilustração Portuguesa, 2ª Série, nº 659, 7 de Outubro de 1918, capa do periódico. © Hemeroteca Municipal de Lisboa.

A Turquerie, à semelhança da Chinoiserie no que respeita à cultura chinesa, corresponde à produção artística de raiz europeia que recorre à cultura turca/otomana como fonte de inspiração. Este fenómeno foi sobretudo popularizado durante o século XVIII em França pelo artista Jean Baptiste Vanmour (1671-1737), que durante a sua estadia em Istambul se dedicou a registar a vivência da população nas suas várias actividades, sendo estas representações publicadas em Paris numa obra posteriormente traduzida para várias línguas, o que facilitou a sua circulação e popularidade. Inspiradas pelo exotismo e status que a utilização dos objectos, do mobiliário e dos têxteis proporcionava, verificamos que várias mulheres se fizeram retratar integradas numa estética oriental: exibindo turbantes, tapetes, consumindo chá, café ou chocolate, ou até mesmo tocando instrumentos musicais (FIGURA 10). Em Portugal, os costumes que advinham das relações com a Ásia e com o Norte de África tiveram também expressão. Todavia, ao nível da retratística estes hábitos não se registam com tanta frequência, pelo menos até ao século XIX, surgindo pontualmente em algumas representações que fazem uso de uma inspiração Orientalista, como por exemplo uma Mulher com turbante (FIGURA 11), de Domingos Sequeira (1768-1837), ou a miniatura em que o Rei D. João V (1689-1750) surge consumindo uma chávena de chocolate quente (FIGURA 12).

Figura 10A turca (Retrato da Mademoiselle Duthé / atrib.), s.d., Etienne Aubry (1745-1781), óleo s/ tela, 64,3 cm x 81,3 cm. Colecção particular. ©2021 Artnet Worldwide Corporation.

 

Figura 11 Mulher com turbante, s.d., Domingos Sequeira, tinta ferrogálica s/ papel, dimensão desconhecida. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro (Inv. desconh.). © Domínio Público.

 
 

Figura 12Tomando chocolate, 1720, P. Castriocto, têmpera s/ marfim, 12 cm x 12 cm. Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa (58 Min). © DGPC.

 
Fernando Catroga fala-nos da importância do Orientalismo no campo estético, arquitectónico e decorativo (Catroga 1999), e é sobretudo o campo estético que pretendemos abordar na nossa reflexão. As manifestações artísticas de influência Orientalista na pintura portuguesa distinguem-se das demais europeias, na medida em que não se verificam demonstrações de carácter sexual, como a repetida representação de odaliscas [2] brancas rodeadas por escravos autóctones em composições alusivas a um contexto de banho ou de Harém. É certo que estas cenas foram muitas vezes consideradas problemáticas pelas tensões exploradas: escravatura, nudez, poligamia. Todavia, estas composições serviam ainda como um género distanciado das moralizações comuns nas sociedades ocidentais que conferiam uma maior liberdade ao género masculino em detrimento do feminino (MacKenzie 1995, 45-47). O uso do corpo feminino enquanto objecto sexual, disponível para quem o observasse, sobretudo para o género masculino, foi pontualmente abordado, ainda que raramente num contexto que possamos caracterizar como Orientalista. É observável em obras como o Nu (FIGURA 13) de António da Silva Porto (1850-1893), em que o Oriente surge citado através da presença de um tapete sobre o qual a modelo se encontra deitada, posando para o pintor. A tendência repete-se noutras obras, como Fumadora d’ópio (FIGURA 14) da artista Emília Santos Braga (1867-1949) [3], que enquadra a sua personagem languidamente deitada sobre uma almofada na qual apoia o cachimbo. A modelo aborda directamente o observador, sem se preocupar com questões de pudor relativas à sua nudez. O Oriente foi mais uma vez recuperado pelo consumo, neste caso, de uma substância psicotrópica – o ópio. Em ambos os casos, o corpo feminino apresenta-se, conforme Karen Cronje muito bem formulou, propenso ao olhar e ao escrutínio do observador, contribuindo para a construção de uma narrativa em torno do desejo que advém da interpretação da obra (Cronje 2001).

[2]
Derivado da palavra turca “odalık”, que significa camareira. Nos idiomas ocidentais o termo odalisca é utilizado para designar especificamente as mulheres que vivem em regime de concubinato no contexto de Harém. Durante o século XVIII a designação serviu também para nomear um género artístico com contornos eróticos, em que mulheres orientais eram representadas reclinadas, dispostas para a apreciação do observador.

[3]
Apesar das condições limitativas enfrentadas pelas mulheres que pretendiam desenvolver uma carreira no meio artístico, que as remetiam para temáticas que eram consideradas adequadas ao género feminino, como as cenas de género ou as naturezas mortas, algumas artistas exploraram excepções. Emília Santos Braga, por exemplo, apresenta no seu corpus algumas pinturas de nu, ainda que sejam nus femininos. Sobre a vivência das mulheres artistas no Portugal deste período veja-se: Ferreira, Emília. 2017. “Milly e Ofélia entre o sonho do mundo e a realidade portuguesa.” In O Feminino e o Moderno, editado por Ana Luísa Vilela, Fábio Mário da Silva, & Maria Lúcia dal Farra, 97-122. Lisboa: CLEPUL.

Figura 13Nu, 1877, António da Silva Porto (1850-1893), óleo s/ tela, 47 cm x 99,5 cm. Casa Museu Anastácio Gonçalves, Lisboa (CMAG 877). © DGPC.

Figura 14Fumadora d’ópio, s.d., Emília Santos Braga (1867-1949). In Ilustração Portuguesa, 2ª Série, nº 379, 26 de Maio de 1913, p. 22. © Hemeroteca Municipal de Lisboa.

A historiadora de arte Reina Lewis procurou desmistificar a idealização que a produção artística tão avidamente havia explorado. A autora recupera o relato de Demetra Vaka Brown (1877-1946), que nos permite ter acesso ao quotidiano do género feminino no Império Otomano [4]. Vaka Brown, enquanto mulher e escritora, possibilita ao leitor circular por espaços que eram por norma inacessíveis ao género masculino, entre os quais o Harém (Lewis 2004). Brown procura tornar o seu discurso apetecível a um público europeu, fazendo referências a uma beleza Pré-Rafaelita tão apreciada na Europa. A autora retoma também as relações de proximidade entre as várias mulheres, comuns nas narrativas em contexto de Harém. Esta proximidade, segundo Reina Lewis, permitia que a autora se enquadrasse num sistema oriental que fosse todavia identificável pelo leitor ocidental (Lewis 2004, 149-164). O relato de Vaka Brown procura, contudo, distinguir-se da visão dominante aplicada ao discurso Orientalista através do conhecimento por ela obtido com base no que experienciou.

Em muitos casos a visão que a Europa detinha em relação aos espaços orientais correspondia a uma ficção. De tal modo que os registos fotográficos realizados por Grace Mary Ellison (1880-1935), testemunhando a sua experiência no Império Otomano narrada na sua obra An Englishwoman in a Turkish Harem, publicada em 1915, haviam sido rejeitados por um periódico britânico com o seguinte comentário: «O público britânico não aceitaria isto como uma representação de um harém turco» [5] . Os domicílios orientais desafiavam, todavia, os estereótipos que o Ocidente tinha deles, e as fotografias da autora demonstram-no (FIGURA 15). Podemos verificar a presença de diversas peças de mobiliário de produção europeia, sendo estas conjugadas com peças de produção oriental como mesas de apoio, pequenos cofres e tapetes orientais. Esta tendência repete-se em diversos interiores presentes não só na pintura europeia, como em várias fotografias que pretendem ilustrar as habitações de influentes figuras da sociedade.

[4]
Brown, Demetra Vaka. 1909. Haremlik: Some Pages from the Life of Turkish Women. Boston: Houghton Miffin Co.

[5]
«The British public would not accept this as a picture of a Turkish Harem». Legenda de uma fotografia realizada por Grace Mary Ellison com o intuito de ser publicada num periódico britânico. Após ser rejeitada, a fotografia surge reproduzida em Hanoum, Zeyneb. 1913. A Turkish Woman's European Impressions. Londres: Seeley, Service & co. ltd.

 

Figura 15Um canto de um Harém Turco Contemporâneo, In Zeyneb Hanoum. 1913. A Turkish Woman’s European Impressions. Londres: Seeley, Service and Co.

 

Diversas representações que temos vindo a analisar resultam do estudo de obras, da leitura de narrativas de viagem, da observação de fotografias. Essa circulação de influências verifica-se quando comparamos, por exemplo, a Fumadora d’ópio (FIGURA 14) de Emília Santos Braga com uma das obras de Jean Dominique Ingres, que representa uma odalisca, intitulada L’Odalisque à l’esclave (FIGURA 16). Estas fórmulas foram reinterpretadas ao longo dos anos na pintura, correspondendo àquilo que se estava a verificar noutros media, como por exemplo no teatro com os Ballet Russes de Serguei Diaguilev (1872-1929). Este interesse pelo Oriente seria explorado tanto por artistas do género masculino como Henri Matisse (1869-1954) nas suas odaliscas, como por artistas do género feminino entre as quais Suzanne Valadon (1865-1938), cuja obra La chambre blue (FIGURA 17) apresenta o modelo feminino como uma verdadeira odalisca. As modelos de Valadon constituem-se, todavia, como um contraponto ao ideal de corpo feminino presente nas obras de artistas seus contemporâneos. Assim, apesar da sensualidade evidenciada pelo modo como a artista explora o físico feminino, as suas personagens revelam-se como uma oposição às figuras femininas prevalentes nos círculos vanguardistas (Chadwick 2020, 295).

 

Figura 16Odalisca com escrava, 1839-1840, Jean-Auguste-Dominique Ingres (1780-1867), óleo s/tela, 72,1 cm x 100,3 cm. Harvard Art Museums/ Fogg Museum, Cambridge (1943.251). © 2021 President and Fellows of Harvard College.

 
 

Figura 17O quarto azul, 1923, Suzanne Valadon (1865-1938), óleo s/tela, 90 cm x 116 cm. Centre Pompidou, Paris (LUX.1506 P). © Domínio Público.

 
Edward Said, na sua influente obra Orientalism (Said 1979), defende que tudo aquilo que foi produzido na Europa sobre o mundo oriental era baseado numa relação de dominador–dominado, em que a Europa surge caracterizada como sendo superior em relação às nações que compõem o Oriente. Actualmente sabemos que essa abordagem é enganadora. Nas várias Exposições Universais que tiveram lugar no final do século XIX, num período que Raymond Schwab caracteriza como um Renascimento Oriental [6], as artes orientais foram motivo de destaque, servindo também para influenciar artistas a trabalhar em media distintos, tanto no âmbito das artes decorativas como da pintura. Artistas da corrente Impressionista, mas também dos movimentos vanguardistas. Nesse sentido, Paul Klee (1879-1940) deixou-se influenciar pela prática artística da arte islâmica, nomeadamente pela geometrização das formas (MacKenzie 1995, 66-67). O Oriente constituía-se sobretudo como um desafio estético, ideológico e filosófico face ao conservadorismo do final do século. A representação de objectos, indumentárias, e texturas distintas revelava-se como um desafio estético que os artistas souberam explorar como um contraponto à pintura de matriz académica, que era regida por um conjunto de limitações relacionadas com questões de decoro, estética e respeitabilidade, que aliás começavam também a ser reformuladas por vários artistas, de que é exemplo Édouard Manet (1832-1883).

[6]
Raymond Schwab recupera o termo Oriental Renaissance, na sequência do seu uso por Edgar Quinet na sua obra Le Génie des Religions, publicada em 1841. Quinet defende o Renascimento Oriental como o término do período Neoclássico, do mesmo modo que o Renascimento marcara o final do período Medieval, promovendo uma reformulação do mundo religioso e secular. Veja-se Schwab, Raymond. 1984. The Oriental Renaissance: Europe’s Rediscovery of India and the East: 1680-1880. Nova Iorque: Columbia University Press.

 

orientalismo distante – outras latitudes

O interesse pelo Oriente não se cingia exclusivamente ao Norte de África e ao Próximo/Médio Oriente. Vários intelectuais manifestaram também interesse pelo Hinduísmo e Budismo, procurando aprender vários idiomas com o intuito de melhor compreender a literatura oriental. Alguns artistas viajaram para outros locais, procurando através da sua prática compreender as manifestações culturais, o quotidiano das populações, ou seja, as diferenças e semelhanças em relação ao que conheciam. Essa busca é observável na obra que Paul Gauguin nomeia como Manao Tupapau (Espírito dos mortos observando – FIGURA 18), que aquando da sua exposição em França no ano de 1893 havia sido nomeada por Alfred Jarry (1873-1907) como «L’Olympia couchée / brune sur la jonchée» («A Olympia deitada / morena sobre flores») [7], reconhecendo-lhe claras semelhanças com a Olympia de Manet. O pintor retrata a mulher com quem havia casado no Tahiti, Teha’amana, que, com base nas leis e costumes da ilha, comprou e desposou tendo como objectivo que esta cuidasse da casa, proporcionasse sustento e fosse a sua companheira de noite [8]. Gauguin recupera a solução já utilizada por Manet, que por sua vez retratou um modelo semelhante ao utilizado pelo pintor veneziano Ticiano (c. 1473/1490-1576) na sua Vénus de Urbino. Manet, todavia, explora na sua obra a prostituição, conferindo-lhe rosto e apresentando o seu modelo feminino oferecendo-se directamente ao observador. Gauguin recupera a estrutura utilizada por Manet – duas figuras – mas na sua interpretação o artista coloniza a sua representação, despindo a modelo e expondo-a numa pose provocadora [9], retirando-lhe a componente proletária observável na mulher africana retratada por Édouard Manet. O artista reconhece as duas figuras femininas como sendo iguais nas funções que desempenham, distanciando-se assim das representações que visavam a objectificação do corpo feminino não europeu, normalmente obtida através das poses e da nudez, presente na composição de Gauguin. Também na pintura portuguesa alguns artistas se serviram da sua prática para registar as mulheres autóctones. No caso da obra de Fausto Sampaio (1893-1956) Indiana de Damão (FIGURA 19), datada de 1944, o artista representa uma mulher desnuda da cintura para cima, exibindo diversas peças de joalharia e segurando um pote no qual exibe o proveito do seu trabalho. Sampaio retoma o fascínio pela nudez feminina e pelo exotismo dos povos orientais. Esta obra constitui-se como uma idealização, distinguindo-se da realidade na qual mesmo as mulheres que trabalhavam o campo vestiam saris que ocultavam grande parte do seu corpo.

[7]
No poema Manao Tupapau Alfred Jarry constrói uma narrativa em torno da mulher representada na obra de Gauguin, nomeando-a como Olympia. A abordagem do poeta distancia-se da Olympia de Manet, na medida em que adquire contornos simbolistas comuns na sua obra. Todavia, a associação entre as duas figuras femininas não terá passado despercebida ao público parisiense.

[8]
Existem três versões desta obra, sendo que uma delas se encontra reproduzida no Cahier pour Aline Gauguin, um caderno destinado à sua filha. Griselda Pollock (1993) questiona-nos sobre qual teria sido a impressão da pequena Aline com dezasseis anos ao receber um caderno com a representação da outra mulher despida e assustada, adoptando, todavia, uma pose extremamente provocativa.

[9]
Sobre esta relação de representação de modelos africanos na obra de arte veja-se a exposição que esteve patente no Museu de Orsay entre 26 de Março e 21 de Julho de 2019: Le modèle noir: de Géricault à Matisse.

Figura 18Manao Tupapau, 1892, Paul Gauguin (1848-1903), óleo s/tela, 73,2 cm x 92,39 cm. Albright Knox Museum, Nova Iorque (1965:1). © Domínio Público.

Figura 19Indiana de Damão, 1944, Fausto Sampaio (1893-1956), óleo s/tela, 80 cm x 65 cm, Museu de Arte de Macau, Macau (Inv. desconh.). © Domínio Público.

Existiu também um claro interesse da Europa noutras culturas orientais. Em algumas das Exposições Universais foram reproduzidos edifícios em arquitectura de influência Orientalista, testemunhando a sua popularidade e possibilitando, simultaneamente, o contacto de um público alargado com práticas artísticas distintas. A Exposição Universal de Glasgow do ano de 1888 foi talvez a que apresentou um maior número de construções Orientalistas. O arquitecto James Sellars (1843-1888) combinou diversas soluções decorativas: Bizantinas, Mouriscas e Indianas, de tal modo que a Exposição ficou conhecida como «Bagdad nas margens do Rio Kelvin» [10] (MacKenzie 1995, 86-88). Também o hábito de coleccionar estampas, têxteis, ou objectos cerâmicos, o que surge registado em diversas obras datadas tanto do final do século XIX como do início do século XX, demonstra o interesse sobre a produção artística com origem nas várias nações que constituem o Oriente. Características como a ausência de perspectiva ou a elegância e simplicidade verificável nas várias estampas japonesas que inundavam os mercados de arte europeus influenciaram diversos artistas, entre os quais Vincent Van Gogh (1853-1890) ou Mary Cassatt (1844-1926), que as compravam e reflectiam sobre elas. O Oriente por via da China e do Japão foi igualmente importante para os artistas de matriz académica, que não pretendiam enquadrar-se nos movimentos vanguardistas e que, à semelhança dos seus colegas, dedicaram parte da sua obra à representação de cenas de género, que privilegiavam o quotidiano da sociedade na qual se inseriam. A produção artística internacional em media diversos como a pintura (FIGURA 20) e a fotografia (FIGURA 21) demonstra o interesse do Ocidente sobre o Oriente: o uso de kimonos (indumentária típica no Japão), leques, biombos com motivos orientais. Em Portugal é observável um semelhante fascínio (FIGURA 22 e FIGURA 23). Para além da utilização destes objectos como elementos decorativos, designadamente os leques que são conjugados com uma panóplia de outros elementos como fotografias de familiares, amigos, intelectuais e, em alguns casos, músicos, é também observável uma perfeita coexistência entre estes produtos de influência oriental e os de produção europeia.

[10]
«Bagdad by the Kelvin»

Figura 20Finale, s.d., John Lavery (1856-1941), óleo s/ tela, 86,5 cm x 112 cm. Colecção particular. © 1986-2020 Invaluable, LLC.

Figura 21Friedel wearing a kimono, 1911, Frank Eugene (1865-1936), impressão de sais de  platina, dim. desconhecidas. Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque (Inv. 1972.633.158). © 2000–2021 The Metropolitan Museum of Art.

Figura 22 – Retrato de Abel Botelho, 1889, António Ramalho Júnior (1859-1916), óleo s/ tela, 59 cm x 44 cm. Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, Lisboa (Inv. 1484). © DGPC.

Figura 23D. Cândida Cilia na sua sala de música, s.d., Joshua Benoliel (1873-1932). In Ilustração Portuguesa, 2ª Série, nº 153, 25 de Janeiro de 1909, p. 9. © Hemeroteca Municipal de Lisboa.

A popularidade da moda e da arte japonesas inspirou também a utilização dos kimonos por várias mulheres ocidentais que se faziam retratar com eles, valorizando não só o seu gosto pessoal, mas também conferindo um desafio aos pintores que teriam como objectivo registar a complexidade dos tecidos que constituíam esta tipologia de vestuário. A circulação das várias estampas representando mulheres japonesas com os seus kimonos e complexos penteados adornados com pentes e flores inspirou igualmente a transposição dessa estética para modelos portuguesas, conforme podemos observar nos registos que acompanham o artigo Flores do Outono: A flor de oiro. As modelos são retratadas replicando as figuras femininas (FIGURA 24) que surgem representadas nas estampas japonesas. Note-se como são respeitados os penteados que são utilizados para exibir algumas flores mencionadas ao longo do texto que acompanha as fotografias. 

 

Figura 24O Xitu-Mon (A flor d’oiro), s.d. In Ilustração Portuguesa, 2ª Série, nº 250, 5 de Dezembro de 1910, p. 15. © Hemeroteca Municipal de Lisboa.

 

Alguns artistas replicam através da sua prática ambientes de matriz Oriental, como por exemplo as ilustrações realizadas por Raquel Roque Gameiro (1889-1970) para o livro O Mandarim da autoria de Eça de Queiroz. As soluções escolhidas pela artista valorizam a adopção de diversos estereótipos que mantêm uma continuidade com a estética reproduzida nas várias ilustrações registadas nas chinoiseries. A artista nunca foi à Ásia, contudo inspirou-se em várias obras que foi vendo ao longo da sua vida, criando as diversas estampas que ilustram o texto. Por oposição aos estereótipos adoptados por Raquel Roque Gameiro, Fausto Sampaio, que viveu em Macau, dedicou grande parte da sua obra ao registo da sociedade macaense, desenvolvendo retratos, várias vistas da cidade, dos templos, e dos opiários. 

 

conclusão

Cada vez mais se reconhece que as relações entre o Ocidente e o Oriente se desenrolaram de um modo bastante complexo, numa realidade diversificada e, como tal, distanciada da visão unidimensional defendida por Edward Said: uma relação puramente entre dominador–dominado, em que o Ocidente se constitui como o interveniente dominador e o Oriente como dominado.  

Ao longo do nosso ensaio procurámos demonstrar a complexidade dessas relações ao nível da arte e o modo como elas ocorreram, respeitando a associação entre os vários media artísticos, as questões sociais, políticas, e ideológicas que demarcaram a conjuntura e o panorama literário que se deixou também influenciar pelo Oriente, defendendo a sua compreensão e difusão nas sociedades ocidentais. Em termos artísticos, a influência oriental em Portugal tem vindo a ser amplamente estudada no que diz respeito às várias artes decorativas, que tiveram grande expressão em território nacional. No entanto, o modo como as diversas culturas que constituem o Orientalismo influenciaram a arte portuguesa em media como a pintura, a fotografia ou a ilustração tem recebido pouca atenção por parte dos historiadores de arte. 

Tivemos a oportunidade de observar como artistas tão distintos consideraram abordar no seu corpus temáticas Orientalistas. À semelhança do que se verifica na obra de artistas internacionais, Emília Santos Braga serve-se do distanciamento geográfico, tornando a sua Fumadora d’ópio numa odalisca que posa para a pintora enquanto fuma o seu cachimbo. A nudez da figura feminina por ela representada, independente do decoro exigido de qualquer mulher integrada numa sociedade conservadora, constitui-se ainda como uma alternativa às limitações impostas às artistas, cuja obra se cingia à pintura de flores, retratos ou cenas de género dominantemente localizadas no ambiente doméstico. 

Foi sobretudo a região do Norte de África que recebeu maior atenção por parte dos artistas nacionais, não só pela necessidade de reforçar a presença portuguesa no continente africano aquando do Ultimato Britânico, mas também devido às missões diplomáticas desenvolvidas por portugueses, permitindo a integração de obras alusivas a estes locais distantes no mundo da arte nacional. Estas obras eram produzidas tanto por artistas profissionais (Jorge Colaço), como por amadores que dividiam as suas funções diplomáticas com o interesse pela arte (José Daniel Colaço), abordando o quotidiano (Figura de marroquino) ou os conflitos bélicos (A volta da batalha). Não existia, portanto, interesse na vivência do género feminino nestas sociedades. 

A imprensa periódica possibilitou a rápida disseminação por um público diversificado de registos fotográficos e de pintura. Estas imagens recuperaram tipos de beleza alusivos às mulheres do Império Otomano (tipo de beleza turca), mas revelaram igualmente a utilização por parte de mulheres ocidentais destas indumentárias tradicionais em contextos distintos: no Carnaval ou adoptando determinados acessórios como os turbantes e conjugando-os com o vestuário com que se fizeram representar, conforme podemos observar na fotografia de D. Maria José Prata. 

Nem sempre a abordagem do Ocidente ao Oriente ocorreu com um propósito colonizador. Verificamo-lo na escolha de Édouard Manet pela solução adoptada para representar a mulher africana na sua Olympia, mas também na vontade de alguns artistas em compreender a vivência social e cultural em geografias tão distantes como na Índia, em Macau, ou no Império Otomano. E compreendemos que há no medium escolhido para registar a sua experiência – fotografia, literatura, pintura e ilustração – uma vontade de compreender, respeitar e divulgar na Europa uma visão próxima da realidade. É certo que em certos casos a reacção da sociedade em contexto europeu não é receptiva, pois as fotografias revelam uma visão bastante distinta das várias interpretações idealizadas presentes nas obras que o mercado de arte difundia. 

As composições consideradas neste estudo correspondem, todavia, a uma base de dados que permanece em constante actualização. A conjuntura em que vivemos obrigou-nos a optar pela consulta de documentação dominantemente disponível online: imprensa periódica, catálogos de exposições, arquivos fotográficos. Esperamos poder continuar a ampliar o nosso arquivo, uma vez que a produção artística de influência Orientalista do final do século XIX e início do século XX tem recebido pouca atenção por parte da Historiografia de Arte. 

 

Como citar este ensaio:

Pinheiro, Maria da Luz. 2021. “Orientalismo Artístico Português – Do Conceito à Realização.” Palimpsesto. www.palimpsesto.online/ensaios/orientalismo-artistico-portugues-do-conceito-a-realizacao

 

referências ↓

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